Quinta-feira, 1 de Setembro de 2005
Pés frios no chão.
Azulejo morto.
E eu renitente, ou cama ou isto.
Vaso de flores, verticalidade, e alguma coisa de Depeche Mode.
Mamas grandes por todo o lado.
Hoje a caminho duma tarde de verão
derrapei por ali fora
arranquei pele,
fiquei-me cor de parede
e raspei até lá abaixo,
acalmei o pouso e pousei
com os perdões todos dos ultimos dias,
e perdoei-me.
Depois do vão de escadas vem o túnel
mijo dos velhos,
tubinhos de plástico negros,
esquecidos pelo tempo
gotinhas sêcas
delataram um caudal de urina,
e caminhei pelo túnel nauseabundo.
Olhei ao lado,
barras da prisão e um supermercado
acedi com o olhar
e vi cervejas nas estantes,
e pão sêco empilhado ao fundo,
e mais nada, o resto era escuro.
Fiquei curioso, uma mercearia fétida
sem qualquer aparatosa higiente,
apenas uma mulher com roupa
ela toda um avental
varizes nas pernas nuas de banha macia
a florear duns chinelos comidos do musgo,
eram cor de rosa.
Senti-me mal,
40 graus, moscas, urina sêca,
terminara o tunel,
abrira a porta,
e serenamente apanhei ar,
um ar da tarde sem vento
só sol.
Passaram duas motas,
cada uma munida de um velho,
riram-se para mim,
em câmara lenta
parecem-me campónios dum qualquer campo de arroz
do outro lado do mundo.
Percorri uns metros,
umas dezenas deles,
cheguei longe, ao parque
um velho suado, com riscas nas pernas mortas
adidas por todo o lado,
enfeitado por uma reforma exímia social,
ou vendido aos feirantes pelo primógénito,
ou crise social para os velhos, que se fodam com ácido.
Sopa de galinha, mais acima
velhas escondidas atrás dum portão
logo ali na rua de cima,
perpendicular à minha.
Fui ver,
estava um velho a tocar-se,
pila e mãos em movimento
e ele a babar-se.
Desliguei o ninho de cucos e atravessei a rua,
para um pequeno café,
tinha uma televisão lá dentro, ao alto
na diagonal,
e na diagonal me inclinei,
e vi putos a aprender palavrões
a dizerem merda... na televisão.
Rosnei e entrei mais um bocadinho,
"entre, entre, não tenha vergonha" - disse o abrupto peludo lá dentro.
Eu mal via, tal o escuro,
um opaco negro cortado às fatias pelos traços do sol
ali a queimarem meio balcão,
e meio velho e a sua cachaça,
e... querosene não?
Tudo a arder não?
Senão fosse este ar de puto traquinas...
Passei metade da vida adulta,
a ser gozado, o "entre entre"
só me irrita ainda mais.
Pedi uma faca para cortar o pão
e cortei as unhas,
às fatias, uma por uma,
o gorila ficou espantado,
não disse nada,
pudera. Deixei-lhe 3 seringas em cima do balcão,
e retirei algures da lapela
um papelinho que faz milagres,
diz "SIDA", e deixei-o ficar,
ali nos esboços sêcos de vinho depositado no balcão,
os sulcos anões dos copos,
és um porco, e nem o teu negócio cuidas...
Porco!
Cansei-me desta merda toda,
vivo num colhão de terra,
pessoas feias e cães desnutridos a foderem o lixo
a qualquer hora do dia,
parece uma Beirute, foda-se.
Voltei para dentro, retornei ao lar,
segui sem ver nada,
anulei-me. Nada, não quero sentir nem prever nada,
embalei a racionalidade a uma loucura sem óxigénio,
matá-la só um instantezinho,
"vá lá" - ela fez-se rogada, e nem me surgiu naquela hora,
com o tipico olhar de inocência
em forma de consciência,
foi fácil.
Fechei-me no quarto,
deitei-me num escuro temporário,
porque mal abri os olhos,
ainda com medo que íris não aguentasse a passagem rápida,
do sol para o escuro, e sei lá,
se suicidasse em forma de doença crónica,
- não arrisco nestas merdas - vi da janela,
uma lingua gigante,
mais parecia a cascata que vomita chocolate do filme do Burton que anda por aí,
e lá de cima, um buraco que nunca tinha visto assim,
parecia um tremendo ânus, esquecido! Sim esquecido ali.
Entrava uma luz branca, sem qualquer encanto,
um branco casa-de-banho,
era tão ordinário esta luz,
senti-me num escuro,
observado por um ânus rendilhado de luz parca,
e duma janela a linguarar para mim,
a casa tinha forma,
o quarto demoníaco,
engendrava apoderar-se de mim,
canibalizaria-me.
Estou farto de ser o naco, o alimento
o vítima fácil,
bem sei que a vida tem-me corrido mal.
Ligo a tv, fugi dali,
mais putos a aprenderem a dizerem merda,
putos por todo o lado a dizerem palacrões,
mas o que é isto?
Corto algo, vermelho jorra,
liquidifica pelos meus pés,
tomate maduro fatiado e duas latas de atum,
muito sal,
drogo-me com aquilo,
abestenho-me da realidade,
invado o andar de cima,
bato às portas,
quero uma casa,
ou um reles apartemento,
uma casa abandonada,
tenho saudades das masturbações em grupo com fantasmas do ofício.
Telefono, e não me respondem,
nem atendem,
e eu nem me empurro para a solidão
são eles - e estou desculpado,
soa sempre bem saber que a culpa não é nossa.
Vou aos armários,
encontro lápiz de cera,
e já sei,
corro,
corro mais e mais e mais,
doi-me tudo,
arfo.
Cão doente.
O primeiro carro que vir branco,
fodo-o.
Escrevi MERDA dum lado ao outro.
Passa bem,
vou dormir.